domingo, 9 de março de 2014

O dia que o Diabo pregou


Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens. (Mateus 16.23)

E se fosse concedida ao diabo a oportunidade de pregar um sermão? Como seria essa pregação? Obviamente ele não falaria que estava fundando uma nova “igreja” com o seu nome para arrebanhar gente, pois ele pode ser tudo, menos estúpido. É mais prático entrar na seara dos fiéis e pregar um “Deus” que não existe, expor um simulacro do Eterno e um Jesus que vai além das Escrituras, pois com isso ele semearia o joio em meio ao trigo e exporia meias-verdades valendo-se de textos piedosos, por saber muito bem que a mentira mais destrutiva é aquela que mais se parece com a verdade.

Qual seria o texto básico de sua mensagem? Com certeza ele fugiria do tremendo drama humano existente no livro de Jó, nada teria a dizer sobre o amor delicado dos dois amantes, em Cantares de Salomão, e se calaria diante do pessimismo existencial de Eclesiastes, mas pinçaria algum relato do Antigo Testamento, sobre um personagem heróico como Moisés ou Abraão, mudaria o contexto original do texto, e transporia pura e simplesmente para os dias atuais, passando por cima das mais elementares regras de hermenêutica.

O propósito do sermão versaria sobre as necessidades do homem que precisam ser supridas, e que não há espaço na vida do cristão para tristeza, derrota, perda ou cansaço. Sim, o diabo está muito interessado em “suprir”, em oferecer uma solução rápida, em apresentar um atalho, em todas aquelas situações que Deus pretende ensinar pela solidão, pela caminhada no deserto, pela disciplina, e até mesmo pela dor.

Então, um sermão “diabólico” seria mais ou menos assim:

Caríssimos irmãos (arghhh):

Vocês precisam parar de pedir e começar a reivindicar. Ao orar, não apenas peçam, mas determinem. Deus quer sentir que vocês tem gana, que você sabe o que quer. Encurralem o Eterno contra a parede, e exija a parte que lhes cabe no Reino.

Não aceitem mais a doença em suas vidas. Você não nasceu são? Você não nasceu perfeito? Pois então não aceite nada, mesmo aquelas enfermidades que são contingentes da situação humana, e revolte-se contra Deus quando elas chegarem. Se Paulo aceitou com resignação aquele “espinho na carne”, faça Deus saber que com você não será assim.

Os títulos são muito importantes para que o mundo lhe reconheça. Quem pode ser alguma coisa na vida sendo chamado de servo? Tente o título de missionário ou evangelista para começar, depois passe para pastor, mas não fique muito tempo, pois já existem muitos por aí. Se na sua denominação você não conseguir subir, funde a sua própria e autodenomine-se “bispo”. O povo gosta disso. Mas se você é de fato um homem de visão, chame alguns companheiros para ungi-lo “apóstolo”. Isso é irresistível e logo haverá uma multidão de pessoas querendo tocar nesse homem de Deus. Se for casado, conceda à sua esposa a honra de ser “bispa”, mesmo que ela não fale coisa com coisa. O importante é que percebam que a sua família é ungida.

Também é hora de começar a exigir o melhor. Nada de pedir uma casinha simples para morar ou um carro usado. Vá a uma concessionária, escolha o modelo que mais lhe agrada, dê sete voltas em torno dele e determine que será seu. Vamos deixar de pensar pequeno. Se Davi dizia que não andava “à procura de grandes coisas, nem de coisas maravilhosas demais” para si (Sl 131.1), isso era pensamento dele, mas com você não será assim.

Disseram que eu vim pregar um “outro evangelho” (Gl 1.8). Na verdade estou pensando no bem-estar de vocês, eu quero o melhor para cada um. Certa feita o Filho de Deus mandou-me afastar de Pedro dizendo que eu não cogito das coisas de Deus, mas dos homens (Mt 16.23). E é verdade: eu só quero lhes oferecer uma qualidade de vida melhor. Eu não tenho culpa se Jesus não aceitou as propostas que lhe fiz. Que mal há em pedir que pedras sejam transformadas em pães? Afinal, há tanta gente faminta no mundo.... Que mal há em oferecer os reinos e glória deste mundo para alguém? Eu vim para facilitar, sou pragmático. Se as coisas podem ser resolvidas de forma rápida, com um simples ritual ou com uma oferta, porque demorar?

Jesus no inicio pregava às multidões, mas depois Ele começou a fazer duros discursos (Jo 6.60) e não soube segurar aquela gente toda. Eu jamais deixaria eles irem embora porque eu dou o que eles desejam: querem pregação de prosperidade, saúde o tempo todo e que o céu aqui na terra? Eu lhes dou.

Agora, para terminar, uma dica aos que gostam de pregar de forma incisiva como eu: ao subir ao púlpito, não é preciso ter uma mensagem preparada, pois eu darei uma a você. Grite muito, gesticule, aponte o dedo, ameace, profetize alguma coisa e diga ao povo que você pisa na minha cabeça. Se alguém ousar desmascará-lo, ameace-o, exponha a pessoa à frente de todos e diga que ela possui um espírito maligno. Funciona sempre, e nunca mais irão questioná-lo. Quem tem ouvidos para me ouvir, ouça.

Bem, talvez você já tenha escutado pregações assim em algum lugar, mas não sabia de onde vinha a inspiração. Agora você sabe. O diabo detesta hermenêutica – que é a interpretação correta dos textos (ele deturpou a ordem que Deus deu no Éden, e fez uma horrível exegese do Salmo 91 ao tentar Jesus no deserto). Certa vez alguém afirmou com propriedade que “as palavras de Deus mal interpretadas são palavras do diabo”. Concordo plenamente!


Autor: Pr. Daniel Rocha - Pastor da Igreja Metodista, Psicólogo e Administrador, é colaborador do Blog Bereianos e escreve para diversos sites.
Contatos: dadaro@uol.com.br

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