“Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos. E se repartia a qualquer um que tivesse necessidade”. (Atos 4:33-35)
Aqui somos informados que, entre os cristãos de Jerusalém, “todos os que possuíam terras ou casas” as vendiam, depositavam o valor “aos pés dos Apóstolos” e que estes, por sua vez, repartiam com os necessitados. Comunistas e socialistas frequentemente citam estes versos para justificar a abolição ou relativização do direito a propriedade privada. Como demonstraremos neste artigo, esta conclusão é absolutamente errada.
“Não estava o preço em teu poder?”
“Mas um certo homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade, e reteve parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e levando a outra parte, a depositou aos pés dos apóstolos. Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço do terreno? Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder? Como, pois, formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.” (Atos 5:1-4)
S. Pedro, por uma revelação extraordinária do Espírito, ficou sabendo que Ananias, marido de Safira, estava mentindo sobre a doação. Aqui é muito importante entender qual exatamente foi a crítica do Espírito, por meio do Apóstolo: “Não mentiste aos homens, mas a Deus”. O pecado de Ananias, então, foi contra o nono mandamento, “Não dirás falso testemunho”. No contexto, “todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos” (At 4:34). Ananias disse estar fazendo o mesmo, mas na realidade “reteve parte do preço” (At 5:2). E, segundo as claras palavras do Apóstolo Pedro, ele não tinha qualquer obrigação de doar nada: “Enquanto o possuías, não era teu? E vendido, não estava o preço em teu poder?” (At 5:4). Com estas palavras S. Pedro defende o direito a propriedade privada. Ele argumentou que Ananias não tinha qualquer necessidade de mentir porque antes de vender, aquela propriedade pertencia a ele depois de vender o valor da venda continuava estando sob seu poder. Ou seja, ele poderia simplesmente não vender e não doar, caso quisesse. Todavia, ele preferiu mentir sobre a doação, com o objetivo de ser glorificado e exaltado pelos homens. Safira, sua esposa, era cúmplice da mentira:
“E perguntou-lhe Pedro: Dize-me vendestes por tanto aquele terreno? E ela respondeu: Sim, por tanto. Então Pedro lhe disse: Por que é que combinastes entre vós provar o Espírito do Senhor?” (Atos 5:8-9)
Sendo assim, não é verdade, como muitos comunistas e socialistas acreditam, que a Igreja Primitiva aboliu ou relativizou o direito a propriedade privada. Pelo contrário, o direito foi abertamente confirmado e defendido por S. Pedro quando ele repreendeu Ananias.
“Não passará esta geração”
Mas ainda precisamos responder uma segunda questão: se os cristãos de Jerusalém não tinham a obrigação moral de fazer essas doações, se as doações eram voluntárias, por que então faziam? Qual era a motivação? A acusação que os judeus levantaram contra o diácono Estevão pode nos ajudar a entender:
“Levantaram-se, porém, alguns que eram da sinagoga chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos, dos da Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estêvão; e não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que falava. Então subornaram uns homens para que dissessem: Temo-lo ouvido proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus. Assim excitaram o povo, os anciãos, e os escribas; e investindo contra ele, o arrebataram e o levaram ao sinédrio; e apresentaram falsas testemunhas que diziam: Este homem não cessa de proferir palavras contra este santo lugar e contra a Lei; porque nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos transmitiu. Então todos os que estavam assentados no sinédrio, fitando os olhos nele, viram o seu rosto como de um anjo”. (Atos 6:9-15)
Evidentemente, as acusações eram falsas. De maneira alguma Estevão tinha blasfemado contra Deus ou Moisés. Todavia, é importante entender que tais falsas acusações eram uma versão distorcida da verdade: “Nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos transmitiu”. Uma acusação parecida havia sido feita contra o próprio Cristo em seu julgamento:
“Levantaram-se por fim alguns que depunham falsamente contra ele, dizendo: Nós o ouvimos dizer: Eu destruirei este santuário, construído por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, não feito por mãos de homens”. (Marcos 14:57-58)
Cristo de fato havia profetizado a destruição de Jerusalém e do santuário:
“Ora, Jesus, tendo saído do templo, ia-se retirando, quando se aproximaram dele os seus discípulos, para lhe mostrarem os edifícios do templo. Mas ele lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não se deixará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada”. (Mateus 24:1-2)
“Ai de vós! porque edificais os túmulos dos profetas, e vossos pais os mataram. Assim sois testemunhas e aprovais as obras de vossos pais; porquanto eles os mataram, e vós lhes edificais os túmulos. Por isso diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei; e eles matarão uns, e perseguirão outros; para que a esta geração se peçam contas do sangue de todos os profetas que, desde a fundação do mundo, foi derramado; desde o sangue de Abel, até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o santuário; sim, eu vos digo, a esta geração se pedirão contas”. (Lucas 11:47-51)
“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não quiseste! Eis aí, abandonada vos é a vossa casa. E eu vos digo que não me vereis até que venha o tempo em que digais: Bendito aquele que vem em nome do Senhor”. (Lucas 13:34-35)
“E quando chegou perto e viu a cidade, chorou sobre ela, dizendo: Ah! se tu conhecesses, ao menos neste dia, o que te poderia trazer a paz! mas agora isso está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão de todos os lados, e te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visitação”. (Lucas 19:41-44)
“E falando-lhe alguns a respeito do templo, como estava ornado de formosas pedras e dádivas, disse ele: Quanto a isto que vedes, dias virão em que não se deixará aqui pedra sobre pedra, que não seja derribada”. (Lucas 21:5-6)
“Mas, quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação. Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade, saiam; e os que estiverem nos campos não entrem nela. Porque dias de vingança são estes, para que se cumpram todas as coisas que estão escritas. Ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias! porque haverá grande angústia sobre a terra, e ira contra este povo. E cairão ao fio da espada, e para todas as nações serão levados cativos”. (Lucas 21:20-24)
Ou seja, em Seu ministério público, Cristo deixou claro que, ainda naquela geração, Jerusalém e o templo seriam destruídos por Deus. Isso se cumpriu poucas décadas depois na Guerra Judaico-Romana. E segundo Jesus, quando isso começasse a se cumprir, a situação ficaria tão feia que, em meio a fuga, não haveria nem sequer tempo para salvar os próprios bens dentro de casa ou para buscar a própria capa: “Quem estiver no eirado não desça para tirar as coisas de sua casa, e quem estiver no campo não volte atrás para apanhar a sua capa. Mas ai das que estiverem grávidas, e das que amamentarem naqueles dias!” (Mt 24:17-20) Essa profecia continuou a ser anunciada pela Igreja e essa era a base das acusações dos judeus contra Estevão: “Nós o temos ouvido dizer que esse Jesus, o nazareno, há de destruir este lugar…”
Tendo isso entendido, é preciso responder uma pergunta crucial:
Se Jesus tivesse dito o mesmo sobre o Brasil, que ele seria destruído, não daqui a muitas gerações, mas a qualquer momento ainda em sua geração, você continuaria a planejar seu futuro aqui? Você planejaria comprar terras ou casas aqui? E com os bens que você já tem, o que você faria?
Isso explica a decisão dos cristãos de Jerusalém: “todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as…” (At 4:34). Somente quem não cresse em Jesus faria diferente. De que me serviria terras e casas em uma cidade que a qualquer momento ficaria “desolada” (Lc 21:20)? Isso explica também porque as outras igrejas, fora de Jerusalém, não faziam o mesmo.
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Fonte: Resistir e Construir
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