No cenário evangélico pentecostal e neopentecostal existe uma crença muito “popular” de que a oração de madrugada é “mais forte” do que a oração feita em outros períodos do dia. Muitos cristãos afirmam categoricamente que na madrugada a “fila é menor” para se falar com Deus, uma vez que são poucos os que mantêm certo hábito de orar neste período que se dá entre a meia noite e o amanhecer. Em vista disso, pela “fila ser menor” na madrugada, Deus responde as orações de forma mais rápida nas mais variadas bênçãos pedidas. A razão de Deus abençoar mais rápido àqueles que mantêm este hábito ou disciplina de oração, dizem os pastores e cristãos pentecostais e neopentecostais, é porque está declarado em Provérbios 8.17 que “Deus” ama os que o amam, e os que de madrugada o buscam o acharão. (ARC)
Quanto ao horário específico para as orações de madrugada variam. Muitos cristãos gostam de orar às 3:00 horas. Entretanto, a maioria crê que um dos melhores horários para se orar é a partir da meia noite. Para ratificar esta ideia [de que a oração de madrugada é “poderosa”], os cristãos recorrem também a outro texto da Escritura, dessa vez descrito no Livro de Atos 16.25-26. É relatado que Paulo e Silas, por pregarem o Evangelho na cidade de Filipos (At 16.11-24) foram presos. No cárcere, por volta da meia noite, é dito que Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam. De repente, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos. (ARA) Portanto, o texto de Provérbios 8.17, juntamente com Atos 16.25-26 é a “base” de que oração na madrugada é eficaz, pois desemboca em bênçãos extraordinárias e instantâneas, como foi no caso de Paulo e Silas.
Não obstante, o meu intuito neste artigo não é declarar através de argumentos hermenêuticos e teológicos que a oração no período da madrugada independente do horário específico seja errada ou, tampouco, pecado. Claro que não! Pelo contrário, como cristãos, devemos estar orando diariamente, constante. A comunhão com Deus que decorre de uma vida de oração é fundamental e necessária em todos os horários do dia! Portanto, quero enfatizar neste artigo (1) a interpretação correta dos textos supracitados em contraste com a interpretação equivocada feita por muitos pastores e cristãos sinceros, por sinal; e (2) destronar o misticismo da crença popular evangélica pentecostal e neopentecostal de que a oração ou a madrugada possui algum tipo de poder ou fluir especial do qual emana as bênçãos divinas instantâneas.
Explanação
Será, então, que Provérbios 8.17 e Atos 16.25-26 corroboram a oração de madrugada e o horário da meia noite como algo “mágico” e “poderoso” como afirmam muitos pastores e cristãos? Vejamos:
Análise de texto
Provérbios 8.17 – Eu amo os que me amam, e os que de madrugada me buscam o acharão... (ARC)
A sabedoria é um dos principais temas no livro de Provérbios. Do capítulo 1.8 até 9.18, vemos um esboço compilado de conselhos breves e diretos que expressam a sabedoria divina e eterna. O objetivo destes conselhos divinos, todavia, é levar o leitor a refletir em como aplicá-los nas diversas situações da vida obedecendo-os.
Nos capítulos 8 e 9 a sabedoria é atribuída aos homens. No capítulo 8 “ela está disponível para os mais simples (8.2, 5), mas também é profunda: se o próprio Deus não fez nada sem sabedoria (8.22-31), quem somos nós para tentar orientar as nossas próprias vidas sem ela?”1 Personificada como uma mulher no capítulo 8, a sabedoria, agora, no capítulo 9, “é contrastada com a mulher louca. Elas têm métodos similares, pelo fato de que ambas se assentam nos lugares mais conspícuos da cidade (8.2-3; 9.3, 14) e convidam os simples (8.6; 9.5, 16). A sabedoria oferece recompensas que são mais valiosas do que qualquer tipo de riqueza (8.10-11, 18-19), ao passo que a mulher louca recomenda a doçura das “águas roubas” e a suavidade do pão comido às ocultas (vs.17). As consequências conectadas com estas escolhas são completamente opostas. Os convidados da Sabedoria recebem muitas bênçãos (8.34-35), mas os que se voltam para a loucura perecem e estão nas profundezas do inferno (vs.18).”2
Via de regra, o capítulo 8 descreve a excelência da sabedoria. O trecho que vai dos versículos 14-21 realça não os beneficiados (vs.14-17) e as bênçãos (18-21) de buscar a sabedoria, mas, contudo, a própria sabedoria. Os pronomes pessoais – eu e me, e o pronome possessivo meu, são enfáticos e se referem à sabedoria. Entretanto, o seu amor é experimentado pelas bênçãos de quem a recebe (vs.18-21). Quanto às bênçãos da sabedoria, certamente elas são de caráter material (3.16; 22.4) e espiritual, embora o aspecto espiritual predomine. Acerca do caráter espiritual das bênçãos da sabedoria, Derek Kidner ressalta que
Se os homens em posição de autoridade (vs.15-16) precisam de sabedoria, é visando a justiça, e não as vantagens. Se ela confere riquezas (vs.18), estas se vinculam com a honra e a justiça (embora justiça possa ter seu significado secundário, “prosperidade” no versículo 18, forçosamente tem seu sentido primário e moral no versículo 20). O versículo 19 deixa a questão fora da dúvida, e vai ainda além dos versículos 10-11. A sabedoria não somente é excelente do que o ouro, assim como a fonte toma procedência sobre o produto; o próprio produto (fruto) da sabedoria é melhor do que o ouro.3
Diante disso, a expressão eu amo os que me amam descreve simplesmente o amor que a sabedoria possui por aqueles que a amam, buscam e desfrutam de suas bênçãos. Provérbios 8.17 não faz menção alguma da oração na madrugada e, tampouco, apoia a crença mística de que, na madrugada, a fila para a oração é menor e que ela possui um poder maior e mágico em relação à oração feita no dia e que Deus a responde de modo rápido. Por outro lado, a sabedoria tem a ver com a graça de Deus, ou seja, é o próprio Jesus, o qual se declarou como a encarnação da sabedoria divina (Mt 11.19; Lc 11.49-51; Jo 6.35; 1Cor 1.24-25; Pv 2.4-5; 3.13-15). Um das melhores traduções para Provérbios 8.17, contudo, seria – Eu amo os que me amam; os que me procuram me acharão (ARA), excluindo, assim, o substantivo feminino madrugada. As outras traduções similares também são a da Almeida Século 21, da NVI e da BJC.
Análise de texto
Atos 16.25-26 – Por volta da meia noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam. De repente, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos. (ARA)
Paulo e Silas foram para a cidade de Filipos evangelizá-la, permanecendo lá por alguns dias (16.11-12). Através da pregação de Paulo e de seus auxiliares e companheiros de viagem – Silas, Timóteo e Lucas, uma mulher, vendedora de púrpura, chamada Lídia foi convertida pelo Senhor (16.14-15). O evangelismo ocorreu por toda a cidade. Por conseguinte, quando estavam indo orar em certo local, Paulo e seus companheiros se depararam com uma jovem possessa de um espírito de adivinhação que os seguiam já por alguns dias importunando-os com gritos (16.17). Simon Kistemaker afirma que é provável que os gritos da moça fizeram com que muita gente se reunisse e ouvisse Paulo e seus amigos. Todos podiam ouvir a mensagem de salvação. Mas os contínuos gritos da moça passaram a ser um estorvo para o apóstolo na pregação do evangelho, e o transtorno o perturbou de maneira tal que ele teve de intervir e se dirigir ao demônio que habitava a moça.4 Desse modo, Paulo exorciza a jovem e ela fica liberta da atuação demoníaca em sua vida (16.16-18).
No entanto, aquela jovem, antes de ser liberta das garras de satanás, era explorada e trabalhava como adivinha para pessoas que lucravam com o misticismo que predominava em Éfeso (16.16). Sendo assim, quando Paulo exorcizou o espírito que dominava aquela jovem pitonisa, exorcizou também a fonte de renda daqueles que a exploravam,5 e presumimos que ela recebeu o dom da salvação e se tornou membro da igreja filipense.6
Em vista disso, sendo levados às autoridades da cidade de Filipos pelas pessoas que exploravam a jovem, Paulo e Silas foram presos (16.24). Então, perto da meia noite, enquanto oravam e louvavam a Deus, ocorre um terremoto e a prisão em que estavam é destruída. Deus intervém poderosamente neste evento singular na história para um duplo propósito: libertar Paulo e Silas da prisão e converter o carcereiro e sua família (16.27-35).
Assim como em Provérbios 8.17, Atos 16.25-26 também não sustenta o misticismo de que a oração à meia noite ou perto dela desemboca em bênçãos instantâneas e extraordinárias. O texto não ensina que a oração ou o horário próximo à meia noite é um tipo de receita mágica para que ocorram os “terremotos da libertação onde as cadeias da nossa vida ruem”, conforme pressupõe os pentecostais e neopentecostais em sua maioria, claro, com algumas exceções. O propósito da intervenção sobrenatural de Deus através deste um terremoto foi (1) Libertar Paulo e Silas para que estes pudessem evangelizar as regiões ainda não evangelizadas (veja At 16.6-12) e (2) que através desta intervenção miraculosa de Deus o carcereiro, espantado, e sua família, pudessem ouvir o evangelho através de Paulo cressem e fossem salvos, o que, de fato, ocorreu (At 16.27-34). Contudo, não estou dizendo também que Deus não possa intervir soberanamente de forma imediata na vida de um cristão que ora de forma sincera na madrugada à meia noite. Deus pode, sim, contato se for de sua vontade (1Jo 5.14-15), abençoar um cristão em 24 ou 48 horas após uma oração feita na madrugada, por exemplo. Porém, isso não é uma regra normativa de Deus onde ele sempre abençoa os que oram na madrugada ou por volta da meia noite.
Assim como em Provérbios 8.17, Atos 16.25-26 também não sustenta o misticismo de que a oração à meia noite ou perto dela desemboca em bênçãos instantâneas e extraordinárias. O texto não ensina que a oração ou o horário próximo à meia noite é um tipo de receita mágica para que ocorram os “terremotos da libertação onde as cadeias da nossa vida ruem”, conforme pressupõe os pentecostais e neopentecostais em sua maioria, claro, com algumas exceções. O propósito da intervenção sobrenatural de Deus através deste um terremoto foi (1) Libertar Paulo e Silas para que estes pudessem evangelizar as regiões ainda não evangelizadas (veja At 16.6-12) e (2) que através desta intervenção miraculosa de Deus o carcereiro, espantado, e sua família, pudessem ouvir o evangelho através de Paulo cressem e fossem salvos, o que, de fato, ocorreu (At 16.27-34). Contudo, não estou dizendo também que Deus não possa intervir soberanamente de forma imediata na vida de um cristão que ora de forma sincera na madrugada à meia noite. Deus pode, sim, contato se for de sua vontade (1Jo 5.14-15), abençoar um cristão em 24 ou 48 horas após uma oração feita na madrugada, por exemplo. Porém, isso não é uma regra normativa de Deus onde ele sempre abençoa os que oram na madrugada ou por volta da meia noite.
Conclusão
Não há em toda a Escritura um horário específico de oração que Deus tenha determinado ser “especial” onde ele responde com bênçãos extraordinárias e instantâneas, e que a fila para a oração seja menor na madrugada. Antes, vemos que Deus nos orientou em sua palavra que devamos praticar a oração de forma constante, sem cessar como uma disciplina devocional em nossa vida (1Ts 5.17). Isso, portanto, pode e deve ser feito em qualquer horário. O poder não está na oração e, tampouco no horário em que são feitas, mas no Deus que ouve e responde as orações em bênçãos espirituais e, também, materiais. A oração é um meio de graça que Deus nos proporcionou para nos mantermos em comunhão profunda com Ele. O cristão que não vive em oração não vai desfrutar das bênçãos da oração. A oração nos desapega das coisas supérfluas desse mundo, nos leva cada vez para mais perto de Deus e nos faz desfrutar da alegria da salvação em Cristo Jesus. Que possamos “viver” em oração!
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Notas:
1. Bíblia de Estudo Palavra Chave – Hebraico e Grego. Notas de Rodapé, pág 679-680.
2. Ibid.
3. Derek Kidner. Provérbios. Introdução é Comentário – Vida Nova, pág 75.
4. Simon Kistemaker. Atos, volume 2, pág 133.
5. Hernandes Dias Lopes. Atos, pág 305.
6. Simon Kistemaker. Atos, volume 2, pág 133.***
Fonte: Bereianos
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